A política alemã, que normalmente caminha com a previsibilidade de um relógio suíço, acaba de engatar uma marcha ousada. Friedrich Merz, líder conservador do CDU/CSU, deu um passo decisivo rumo à chancelaria ao fechar um acordo de coalizão com os Social-Democratas (SPD). Um pacto improvável? Talvez. Mas em tempos de guerra comercial, populismo em alta e economia estagnada, até os opostos dançam juntos — ou se afundam sozinhos.
Um casamento por conveniência (com pressa)
O clima não era exatamente de lua de mel. Merz, que venceu as eleições de fevereiro com ares de renovação, viu sua popularidade despencar em tempo recorde. E não foi por falta de barulho: logo após assumir, ele empurrou uma bomba fiscal de €1 trilhão no colo da Alemanha, mexendo na sacrosanta regra do teto de dívida pra financiar defesa e infraestrutura. Foi como jogar gasolina no fogo da polarização.
Enquanto isso, o relógio político corria. Com os números nas pesquisas afundando e o espectro de uma nova guerra comercial com Donald Trump rondando a Europa, Merz precisava fechar esse acordo com o SPD antes que a maré virasse de vez. E quase virou.
A sombra da extrema direita
Como se não bastasse a pressão interna e externa, um fantasma já conhecido da Europa voltou a ganhar força: o AfD (Alternativa para a Alemanha). Pela primeira vez, o partido de extrema direita apareceu como a maior força política em uma pesquisa de opinião, ultrapassando a CDU de Merz com 25% das intenções de voto.
O recado foi claro: parte do eleitorado está com os nervos à flor da pele. E cansada do velho jogo político. Alice Weidel, co-líder do AfD, não perdeu tempo: “Os cidadãos querem mudança real, e não mais do mesmo com CDU e SPD”. O barulho surtiu efeito. Em outra pesquisa, menos de um terço dos alemães disse confiar em Merz como chanceler.
O preço do poder: bilhões em troca de estabilidade
O acordo entre CDU e SPD não saiu barato. Para garantir o apoio dos social-democratas no plano de defesa, Merz ofereceu um doce tentador: um fundo de €500 bilhões para infraestrutura ao longo de 12 anos. Escolas, hospitais, estradas — tudo no pacote. Um respiro para um país que tem envelhecido junto com seus trilhos e pontes.
Mas o custo real vai além dos números: essa guinada rompe com a tradição alemã de austeridade fiscal. A pátria da disciplina orçamentária agora está prestes a mergulhar numa década de endividamento pesado. E o futuro, claro, está longe de garantido.
Entre o trator e o abismo
A Alemanha, maior economia da zona do euro, parece um gigante cansado. Já são três anos de estagnação, energia cara, exportações em baixa e concorrência feroz da China. E agora, com Trump ameaçando tarifas de 20% sobre produtos da União Europeia, até os mais otimistas têm suado frio.
Merz, que chegou prometendo ordem e crescimento, acabou virando o símbolo de uma virada arriscada — ou necessária, dependendo do ponto de vista. Sua pressa em aprovar a mudança no teto de dívida antes da posse do novo parlamento escancarou o medo de que AfD e a extrema esquerda travassem o jogo logo de cara.
5 impactos práticos desse acordo para o cidadão comum
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Mais investimentos em infraestrutura: hospitais, escolas e estradas devem finalmente sair do papel — se o dinheiro for bem usado.
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Possível aumento da dívida pública: prepare-se para discussões acaloradas sobre impostos e cortes em outras áreas.
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Crescimento da polarização política: o avanço da extrema direita pode tornar o ambiente político ainda mais instável.
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Risco de guerra comercial com os EUA: tarifas americanas podem atingir diretamente a indústria exportadora alemã.
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Mudança no discurso econômico europeu: a Alemanha pode abrir caminho para que outros países abandonem a austeridade.
Acordos podem unir partidos, mas não curam feridas
No fim das contas, o acordo entre Merz e os Social-Democratas é um daqueles pactos de sobrevivência: frio, estratégico e cheio de consequências a longo prazo. Pode ser o impulso que a Alemanha precisa pra acordar de sua estagnação crônica. Ou o empurrão final rumo ao caos político.
A Alemanha está em jogo. E o mundo está de olho. Porque quando o motor da Europa engasga, ninguém sai ileso.
Agora é esperar pra ver se esse pacto vai segurar as pontas — ou se vai desmoronar sob o peso da dívida, das promessas e dos fantasmas que rondam Berlim.