Num pedaço do mundo onde o amanhã sempre parece mais cruel que o hoje, Gaza agoniza em silêncio. Não é apenas a terra que sangra sob os escombros. São corpos miúdos, frágeis, esculpidos pela fome, pela guerra e pela negligência. Ali, infância virou espera. Espera por leite, por arroz, por vida. Espera pelo que não vem.
Um bebê chamado Khaled
Khaled, com apenas 9 meses, pesa o que um recém-nascido deveria. Seus olhos — fundos e sem brilho — gritam o que sua boca ainda não sabe dizer: fome. Um tubo amarelo atravessa sua mãozinha, tentando empurrar vida onde a morte já sussurra.
Sua mãe, Wedad Abdelaal, só pode assistir. Já foram tantas idas ao hospital que ela nem conta mais. O leite chega de três em três horas, quando chega. Ela reza por mais. Não pra si, mas pro filho que encolhe a cada dia. “Esse fechamento está nos destruindo”, diz, com a voz embargada por medo e cansaço.
Filhos de uma guerra sem fim
O bloqueio imposto por Israel transformou Gaza num deserto onde comida virou miragem. Os mercados? Vazios. As padarias? Silenciadas. As plantações? Intocáveis. O que resta é fome. Fome que molda ossos, que silencia sorrisos, que rouba a infância.
O pequeno Ahmed, com 7 anos, pesa 8 quilos. Dá pra sentir seus ossos só de olhar. Sua irmã Maria, com 4, já nem sabe mais o que é saciar a barriga. A mãe? Divide latas de feijão entre refeições. Às vezes, prefere não comer. “Eles precisam mais do que eu”, sussurra, como quem se desculpa por ainda estar viva.
Quando a ajuda não ajuda
Quase metade dos centros de nutrição em Gaza fechou. Não há suplementos, nem leite terapêutico, nem espaço nos hospitais. E mesmo se houvesse, faltam braços, faltam mãos, falta tudo.
“Estamos condenando essas crianças à morte”, alertou Jonathan Crickx, do UNICEF. Ele não exagera. Desde março, a desnutrição infantil aguda explodiu. Os casos aumentaram 80%. Crianças que não conseguem mais andar, comer ou sequer chorar. Elas não têm forças.
Israel, fronteiras fechadas e acusações
Enquanto a pressão internacional cresce, Israel segue em silêncio. Alega que a ajuda chega — mas onde, exatamente? Alega que o Hamas desvia — mas a ONU desmente. E Gaza segue cercada, esquecida. Uma prisão a céu aberto onde cada grão de arroz virou artigo de luxo.
Sardinhas enlatadas custam 10 dólares. Uma barra de biscoito, dois. Um tomate? Praticamente um troféu.
Quando viver se torna resistência
A família de Abdelaal vive numa barraca. Sem gás, cozinham com plástico ou madeira — quando acham. As crianças andam quilômetros pra buscar água. Subindo colinas, voltando com panelas. Se escorregam, se derrubam? Voltam sem nada. E choram.
A mãe amamenta como pode. Mas como produzir leite sem comer? “Perdi dentes. Não tenho cálcio. Não tenho forças. Não tenho escolha.”
A infância roubada
Sama nasceu com síndrome de Down. Com 7 meses, mal ganhou 300g. Não dorme, não se cala — tem fome. Os médicos dizem: “A mãe precisa comer melhor”. Ironia cruel num lugar onde até a esperança parece racionada.
E então, resta apenas esperar. Sentados, em silêncio, dentro das tendas. Como disse Ammar, o pai de Khaled, com um cansaço do tamanho do mundo: “Estamos apenas esperando a morte”.
5 impactos práticos dessa realidade na vida das pessoas
-
Aumento do risco de morte infantil por doenças preveníveis agravadas pela desnutrição.
-
Colapso dos sistemas de saúde e nutrição, que afeta toda a população.
-
Comprometimento do desenvolvimento cognitivo e físico de milhares de crianças.
-
Desestruturação familiar por traumas, perdas e a impotência diante da miséria.
-
Crescimento do sofrimento psicológico coletivo, inclusive entre adultos, que se veem sem saída.
Um chamado à consciência
Gaza não precisa de piedade. Precisa de ação. De pressão. De olhos abertos e vozes firmes. A fome que consome os filhos daquela terra não é apenas resultado de uma guerra — é escolha. E escolhas podem ser revertidas. Mas o tempo não. O tempo corre. E as crianças de Gaza, se nada for feito, podem não correr nunca mais.
Compartilhe. Informe-se. Pressione. A fome não pode ser arma. E a infância não pode ser sentença.