Imagine um homem simples, cercado por montanhas sagradas, lançando uma pedra contra um colosso invisível. Não é fábula nem fantasia: é o que aconteceu em Huaraz, Peru. Saul Luciano Lliuya, agricultor e guia de montanha, resolveu bater de frente com uma das maiores empresas emissoras da Europa, a gigante energética RWE. Seu argumento? “Vocês derreteram minhas geleiras.”
O grito de Huaraz ecoa no tribunal
Durante dez anos, Lliuya sustentou uma batalha judicial quase impossível. Ele queria que a RWE arcasse com parte dos danos causados pelo derretimento das geleiras dos Andes — culpa, segundo ele, das toneladas de CO₂ que a empresa lançou no ar. Para Lliuya, o risco de uma enchente fatal vindo do Lago Palcacocha não era uma previsão, mas uma ameaça real.
Mas a corte de Hamm, na Alemanha, disse não. Pelo menos, não agora. A justiça entendeu que o perigo não era “iminente” o suficiente para justificar uma indenização imediata. Um balde de água fria? Nem tanto.
A vitória disfarçada de derrota
O juiz não concedeu indenização, mas abriu uma porteira que antes parecia trancada com cadeado de aço: reconheceu que empresas poluentes podem, sim, ser responsabilizadas por danos climáticos. Em outras palavras, a luta de Davi não foi em vão. A pedra não derrubou o gigante, mas trincou sua armadura.
A advogada de Lliuya, Roda Verheyen, não mediu palavras: “É um marco. Agora, empresas podem ser responsabilizadas por seus pecados climáticos sob a lei civil alemã.” Isso, meus caros, é gasolina no motor da justiça climática global.
O mundo está de olho
A decisão alemã acende uma faísca que pode virar incêndio em tribunais de países como EUA, Japão e até aqui no Brasil. Mais de 60 processos ao redor do mundo já tentam o mesmo caminho: fazer os poluidores pagarem a conta dos desastres climáticos.
O cientista Benjamin Franta, de Oxford, foi direto ao ponto: “A indústria dos combustíveis fósseis vendeu a ideia de que não tem culpa. O caso Lliuya provou o contrário.”
E mais: a corte rejeitou o velho argumento das empresas — aquele papo de que só políticas públicas resolvem a crise climática. Agora, o jogo virou. A ciência da atribuição climática, que calcula o impacto de cada tonelada de carbono lançada, está afinada. E cada megatonelada tem dono.
As empresas que se preparem
O que antes era apenas um ruído virou trovão. A narrativa muda: não é só o planeta que está esquentando, é também a pressão judicial. O veredito pode até ter negado o pedido de Lliuya, mas plantou uma semente poderosa: a da responsabilidade corporativa diante da emergência climática.
Joana Setzer, da LSE, resumiu bem: “A corte confirmou um princípio legal poderoso: empresas podem ser legalmente responsáveis pelos danos causados por suas emissões.” Isso muda tudo. Agora, as empresas já não podem mais andar por aí impunes, soltando fumaça como se o céu fosse infinito.
5 impactos práticos dessa decisão no mundo real
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Abre precedentes legais: comunidades vulneráveis poderão processar empresas poluentes com base em ameaças concretas.
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Empresas sob pressão: mais ações judiciais devem surgir, forçando grandes corporações a revisar suas políticas de carbono.
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Investidores atentos: empresas com histórico de emissões podem se tornar riscos financeiros.
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Legislações mais duras: países devem criar leis para responsabilizar poluidores diretamente.
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Justiça ambiental fortalecida: povos tradicionais e comunidades afetadas ganham novas ferramentas para se defender.
E agora?
Você, que leu até aqui, pode até pensar: “Mas o que isso tem a ver comigo?”. Tudo. A luta de Lliuya não foi apenas contra uma multinacional. Foi contra a lógica de que quem destrói não paga, e quem sofre é quem menos causou o estrago. Esse caso abre espaço para que, enfim, o peso da conta climática comece a recair sobre quem lucrou com ela.
Se uma só voz nas montanhas conseguiu isso, imagine o que milhões de vozes podem alcançar. O futuro está em jogo, e agora sabemos que há juízes atentos.
A pergunta que fica é: você vai ser só plateia… ou parte da mudança?